quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Ouvir os mais sábios: Eduardo Galeano e o direito ao sonho e ao delírio

O escritor e jornalista uruguaio, Eduardo Galeano, tem conhecido nos últimos anos um protagonismo que em muito ultrapassa a América Latina. Obcecado com a preservação da memória colectiva do seu povo e da América, em particular, decidiu falar nos meios de comunicação social sobre aquilo que considera verdadeiramente importante na vida. 


As intervenções simultaneamente sensíveis e desassombradas de Eduardo Galeano, agora com mais de setenta anos, têm recebido uma atenção espetacular por parte de um público de diferentes idades, em que os os jovens predominam. O seu discurso sobre o Direito ao delírio, defendido como parte integrante dos Direitos do Homem, bem como a sua Carta ao Senhor Futuro assinada por um terrestre, disso constituem exemplo. Depois de os lermos e ouvirmos, sentimo-nos menos sós e mais crentes no melhor da humanidade.

Gracias, muchas, Eduardo Galeano.

sábado, 16 de agosto de 2014

Aprender a viver a morte

Há uma ano atrás, quando a minha cadelinha Misty morreu, escrevi aqui sobre necessidade vital de aprendermos a viver a morte. A dos que amamos e a nossa também. Um ano depois, a Emília colocou a pergunta fundamental com que todos acabamos por nos confrontar várias vezes ao longo da vida: Como superar a perda? Mais precisamente, como superar a morte de quem amamos?  



Do modo como vivemos, não nos é possível fazê-lo devidamente. Porque vivemos numa espécie de anestesia perante a vida, recalcando para um lugar negro dentro de nós a dor sem fim da maior das perdas. Porque não podemos entender o que não conhecemos, nem integrámos nunca. Porque na verdade ninguém nos ensinou a viver uma vida plena, feliz e verdadeira da qual a morte é, evidentemente, parte integrante. E contudo sabemos (sabemos?) que se há algo absolutamente certo na vida desde o instante em que nascemos é a morte

Infelizmente, vivemos como se fôssemos eternos. Desperdiçando a vida com futilidades, questões menores, pequenas guerras de egos... Ou seja, não valorizando a maravilhosa benção que é cada dia que no final de cada noite nos é oferecido, nem cada noite que ganhamos no fim de cada dia! Porque é a morte que dá sentido à vida.


A morte, como a velhice e a doença são-nos sistematicamente escondidas e sonegadas. A partir do momento em que, já idosos, adoecemos gravemente, levam-nos para um hospital e, consoante a nossa idade e o tipo de hospital, lá ficamos mais ou menos dias, ligados a máquinas e tubos, até morrermos. A maioria dos mais velhos morre absolutamente só, muito tarde na noite. Muitos idosos morrem sós em casa e, por vezes, são encontrados meses, anos depois. Ninguém os procurou insistentemente, ninguém quis saber deles com a veemência do amor ou mesmo com a atenção que qualquer pessoa que conhecemos merece. Aconteceu em Portugal, aconteceu no Japão e por esse mundo desenvolvido.


Mas não foi, nem é sempre assim. Na Idade Média, por exemplo, quando a morte era considerada o «início da verdadeira vida», todos se despediam de quem ia «partir» e acompanhavam-no (as crianças na fila da frente) nessa passagem... O doente morria em paz e rodeado de quem o amava.  




Em algumas zonas de África, onde vivi, os funerais demoram dias. Todos, familiares e amigos reunidos, comem juntos e bebem juntos, cantam e choram, e todos conversam muito e abraçam-se e voltam a comer e a beber, a chorar e a cantar. Fazem o lutoJuntos.

Claro que dói muitíssimo perdermos quem amamos. E na história da humanidade a morte sempre foi uma «passagem» dolorosa. Como podia ser de outra forma, se a morte é para sempre, ou, para quem acredita na vida depois da morte, por um tempo incerto e longo? A morte é o desconhecido absoluto, seja ele a maior das solidões, seja o afastamento de quem amamos. 



No caso do amigo da Emília que morreu, pareceu-me que tinha vivido uma vida boa, preenchida e feliz. Com alguma sorte, talvez nem tivesse sequer dado conta de que morreu, ou pelo menos não sofreu muito. E, quando no fim da cerimónia da cremação, os amigos tiveram tanta vontade de bater palmas de alegria e gratidão pelo que a vida dele lhes dera e não o fizeram porque... não parecia permitido, mas deviam tê-lo feito. Porque assim deveria ser. 

Perante a morte, como em todas as fases de passagem, é necessário dedicarmo-nos muito a cuidarmos de nós e da dor da perda. Dedicarmo-nos com carinho a curar não apenas esta, mas todas as outras perdas que a morte sempre convoca já que a morte é sempre A PERDA última e maior. Reunirmos os amigos e lembrar tudo o que de bom vivemos e nos foi dado. Falar dos nossos mortos e da tristeza imensa da despedida, da angústia do nunca mais, do vazio aterrorizador do para sempre. Chorar livremente e entregarmo-nos à tristeza e abraçarmos quem gosta de nós e abraçarmo-nos a nós próprios.




Depois, um dia, damos conta de que faz sol e que o céu está azul e que as crianças riem e brincam e que o nosso gato pede colo, e que nos sabe bem cozinhar e comer com os amigos e que alguma melodia canta baixinho dentro de nós. Percebemos que os nossos mortos vivem no nosso coração e aí velam por nós e que devemos viver com alegria e gratidão para com todos os que nos amam e amaram e para com tudo que a vida nos oferece de bom. 

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Proteger o coração: namasté, bem-vindo!

Nós, os do mundo ocidental, cumprimentamo-nos usualmente uns aos outros com um aperto de mão e uma ligeira vénia. 


Esta forma de cumprimento remete para um tempo em que necessitávamos de mostrarmos ao outro que vínhamos de boa vontade, que não trazíamos uma arma escondida e por isso, em geral, estendemos a mão direita, a que usava uma arma.


Quando se trata de amigos, abraçamo-nos ou beijamo-los uma, duas ou três vezes na face.




Em qualquer dos casos, oferecemo-nos mutuamente o peito, mostramos as mãos livres e tocamo-nos fisicamente. Desprotegemos deste modo o nosso coração. 


Mais sábios do que nós, os orientais cumprimentam-se sem se tocarem. Fazem uma vénia, talvez mais pronunciada do que que a nossa, e muitas vezes mostram também as mãos livres de qualquer arma, unem-nas depois frente aos peito, desenhando assim um círculo de energia que protege o coração. 


Mostram pois deferência perante o outro e, como nós, que vêm de boa vontade, mas não invadem o espaço do outro nem permitem que o outro lhes invada o seu. 


Protegem o coração, o seu eu interior, mas fazem-no graciosamente.


Diz-se, contudo, e parece credível, que um abraço une corações e é das poucas atitudes da vida em que quando se oferece, de imediato se recebe em troca.


A saudação oriental, tão diferente da nossa, fala-nos também, embora de uma forma mais espiritual, desta união de corações: o deus que há em mim, cumprimenta o deus que há em ti!


Namasté
Namaskara
Vidya
Olá
Viva
Bem-vindo
!