domingo, 2 de dezembro de 2012

Dia 63: Não comprar mais NADA... NOVO!

Se prestarmos atenção, são já significativas as vozes que, em plena sociedade de consumo, defendem a reutilização maximizada de tudo o que nos é necessário. E, na verdade, por que razão devemos comprar objetos novos, quando estes mesmos objetos abundam à nossa volta em excelente estado e a preços muito inferiores?

As tradicionais feiras de garagem americanas, como as pequenas feiras de velharias em Portugal, constituem há muito a prova de que «o lixo de uns é o tesouro dos outros», trazendo contentamento e inúmeras vantagens a vendedores e a compradores. 

Feira de Velharias em Coimbra, 2008.
Dada a crise em que vivemos, as chamadas lojas «sociais» onde pessoas carenciadas se vão abastecer de artigos doados pela comunidade, devidamente apresentados, organizados por tipo, tamanho e cor, têm, por seu turno, conhecido um incremento significativo. Do mesmo modo, as lojas de roupa em segunda mão, começam a ganhar no nosso país um valor positivo, valorizado agora pela designação vintage.

Loja social em Viana do Castelo, 2010.
Um dos mais conhecidos grupos que se reuniram com o propósito de não comprar nada ou nada novo foi criado, em 2004, por 50 pessoas em São Francisco, EUA. Através de um Yahoo group, denominado The Compact, partilham conselhos, oferecem-se apoio mútuo e ajudam-se na procura do que algum dos membros necessita. Presentemento o grupo conta com mais de 10.000 membros.

Um pouco também por acaso, vi ainda uma reportagem sobre Tamera, uma comunidade localizada há mais de 20 anos no sul de Portugal e de que nunca antes ouvira falar. Originalmente constituída por alemães, reúne agora 160 investigadores e  estudantes de diversos países com o objetivo de, entre outros, refletirem e experimentarem um modo de vida autossutentável. Em Tamera, a par de experiências de captação de água da chuva ou de energia solar, a reciclagem  é um dos objetivo a atingir. No ateliê de costura onde se reutiliza e recicla toda a roupa da comunidade, a mestre é Alice Lindstedt, uma alemã de 74 anos de idade, cujas mãos enrugadas acariciam os tecidos, sejam eles simples retalhos ou peças de vestuário. Consciente do modo como a indústria textil opera globalmente, Alice defende que os tecidos devem ser honrados, reutilizados e usados até à exaustão, em última análise como material de isolamento térmico na construção civil.

Descobri, quase ao mesmo tempo, a empresa australiana Saffars especializada há mais 40 anos em tapetes orientais. Vendem tapetes novos e usados, já que um tapete oriental nunca se desvaloriza inteiramente, e outros, belíssimos, reconstruídos, a partir de dezenas de pedaços através de técnicas de patchwork.

Kilim de patchwork.
Também Ziula Sbróglio no seu sítio Hora de mudar menciona a página de Facebook que criou, este ano, para que um grupo de pessoas da sua cidade pudesse trocar, doar, vender ou emprestar todo o tipo de artigos em segunda mão.

Todas estas propostas e apostas me fizeram refletir sobre a irracionalidade de sempre pensarmos em adquirir objetos... novos, gastando para isso imensos recursos, muito dinheiro e aumentado exponencialmente o lixo que produzimos! Com exceção de algumas peças de roupa interior e de poucos artigos de uso individual como escovas, por que razão deverei eu comprar artigos sempre novos? Sim: roupa, eletrodomésticos, mobília, casa, carro? 

Pensei depois que na verdade o meu carro, um excelente toyota yaris de 2002, foi comprado usado em 2006.

Também o meu apartamento pertence a um edifício construído em 1951 que comprei em 2006, já em 3ª. mão. Tenho também vários móveis em segunda mão: um roupeiro lindo do final do século XIX, um roupeiro pequeno dos anos 40, e, dos anos 50, uma mesa de cozinha, duas mesinhas de apoio, um sofá-cama com cama de gaveta, uma secretária de teka e um sofá individual. Dados, herdados, comprados e restaurados


Armário romântico.
Mesa de cozinha antiga

Os meus principais eletrodomésticos: fogão e exaustor, frigorífico, máquinas da roupa e da loiça e esquentador «inteligente» foram, a meu pedido, integrados no valor da compra da casa porque estavam quase novos e combinavam com a remodelação que o arquiteto a quem a comprei tinha feito a todo o apartamento, em 2002! Mas também por que pensei que não faz bem nenhum aos grandes eletrodomésticos serem levantados, inclinados e mexidos de um lado para o outro. 

Mais: eu tinha uma picadora Moulinex com quase 25 anos, a idade do meu filho! Era originalmente em tons de creme e estava já muito amarelecida, mas sempre picou tudo o que eu quis e foi só por estupidez minha que, quando tentei fazer pão ralado de pão duríssimo, se partiu uma peça no interior. Levei-a a uma dessas novas lojas de reparação de pequenos eletrodomésticos que começaram a surgir com a crise. Deixei uma caução de 10 € e a reparação ficou sujeita a orçamento. 

Mais de três meses depois (porque o negócio novo demorou bastante a organizar-se), propuseram-me um conserto de 29 € que incluía um corpo mais recente branco. Embora uma picadora nova desta marca e tipo custe entre 40€ e 50€, decidi que valia a pena. O dono da loja explicou-me que de duas picadoras velhas tinha feito uma quase nova, a minha, e ainda lhe tinham sobrado peças! Não acordámos o prazo da garantia, mas pediu-me que guardasse o número da etiqueta para o caso de alguma coisa correr mal. Agora, será que esta picadora recauchutada me irá durar mais 25 anos (e será que eu vivo mais 25 anos)? Posso estar enganada, mas acho que fiz uma boa opção!


A minha velha picadora, agora igual a esta com as letras da marca um pouco apagadas.
Assim, para mim, a grande novidade de que ainda não me tinha apercebido é que todas estas opções resultam de uma atitude de consumo consciente. Ou seja, o consumidor (eu, no caso) compromete-se se a comprar apenas o que necessita, sim, mas que já existe, ou seja, em segunda mão. Esta verdadeira «revolução» do consumo é, segundo o excelente sítio americano The Center for a New American Dream 1), exemplificada pela plataforma Etsy

Não há consumidora esperimentada que não conheça a Etsy e a lenda que a precede: oferecer milhares de itens que são verdadeiros achados! Contudo, mais do que ser apenas uma plataforma de compra e venda de artigos feitos à mão ou vintage (com mais de 20 anos), a Etsy tornou-se num modo de apoiar efetivamente as economias locais dos vários estados dos EUA, na medida em que os bens que promove não vêm nem do outro lado do mundo, nem de multinacionais, mas sim dos próprios cidadãos norteamericanos, tendo ainda em conta os respetivos estados. 

Em Portugal, não temos ainda à nossa disposição uma Etsy europeia, mas temos já algumas plataformas semelhantes activas e, com o tempo, a oferta será maior e os preços irão chegar ao seu devido valor. Antes de comprar qualquer coisa de que necessitamos, vale pois a pena consultar sítios como estes:


http://www.custojusto.pt/
http://www.olx.pt/
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1) Segundo a Wikipedia em língua inglesa,The Center for a New American Dream é uma organização não governamental cuja missão explícita é «ajudar os americanos a reduzir e a mudar o sobreconsumismo em troca de uma melhorqualidade de vida, da proteção do ambiente e da promoção da justiça social».

2 comentários:

  1. Bela reflexão, amiga! Se é possível reaproveitar não há razão para sairmos buscando somente o NOVO... beijos

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  2. Qrda Ziula:

    Como tu dizes: «tão óbvio que até uma criança entenderia»! Só que eu, embora até já o fizesse por vezes, demorei até HOJE a tomar consciência da importância (e da inteligência) de o fazer!

    Adorei o DGNI!
    Bjs

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